Carlos Cruz
Após exatos seis meses, a mineradora Vale enfim respondeu a este site Vila de Utopia sobre a descoberta, em 2008, de um mineral raro em Itabira, a jacutingaíta, um isolante topológico, segundo descreveu a revista especializada Inovação Tecnológica, em 10 de janeiro deste ano.
Segundo a reportagem, trata-se de um raro mineral descoberto em um bloco ou fragmento de hematita, na mina Cauê, em Itabira (MG). E que estaria no topo da lista dos mais promissores minerais para aplicação na nanotecnologia – e em outros processos tecnológicos mais avançados.
“A sua fórmula o torna um mineral do grupo da plaina, apesar de ele ter sido encontrado na superfície de um bloco de hematita, um mineral de ferro.” Leia mais aqui.Em um material topológico, registrou a revista, o que importa não é o que acontece no seu interior, mas o que acontece na sua superfície – e é justamente aí que acontecem coisas muito interessantes com a jacutingaíta.
“Coisas como um isolante virar um supercondutor, a luz guiar uma corrente elétrica e muito mais, incluindo fenômenos que estão permitindo fabricar hologramas 3D e componentes-chave para os computadores quânticos. A descoberta desses fenômenos topológicos ganhou o Nobel de Física em 2016.”
Repercussão
Assim que a notícia da “descoberta” foi publicada, este site reproduziu a informação e questionou a mineradora Vale sobre o potencial econômico desse mineral. Quis saber ainda quais seriam os impactos que a sua extração, juntamente com o minério de ferro, pode ter causado, ou que ainda ocasiona ao meio ambiente. Mas essas dúvidas ainda não foram esclarecidas pela empresa.
“A jacutingaíta foi oficialmente reconhecida como um novo mineral pelo IMA (International Mineralogical Association) em 2011, cuja primeira ocorrência natural foi documentada em Itabira”, confirma a mineradora em nota encaminhada à redação deste site, para em seguida fazer a ressalva:
“Porém, trata-se de uma ocorrência extremamente rara. A pesquisa que levou à aprovação do mineral pelo IMA foi feita em material sintético, produzido em laboratório, uma vez que a amostra coletada em Itabira era tão pequena que não permitia sua caracterização (era somente visível em microscópio eletrônico de varredura – MEV)”, sustenta a mineradora, relativizando a importância do mineral.
Portanto, para a Vale trata-se de uma ocorrência isolada, sem impacto econômico. E que também o minério não causa danos ambientais, subentende-se, já que a nota também não responde a essa dúvida.
A preocupação com o meio ambiente se justifica pelo fato de a jacutingaíta conter mercúrio em sua composição. Inerte na natureza o mercúrio não causa danos ao meio ambiente. Mas após ser extraído e beneficiado juntamente com o minério de ferro, pode ou não impactar os aquíferos? Essa é outra pergunta que não foi respondida pela mineradora.
Como também a Vale não informou se ainda restam resquícios desse mineral, ainda que em volume ínfimo, incrustado no itabirito compacto, que é o minério de ferro que resta em Itabira após 77 anos de exploração ininterrupta em larga escala.
A empresa só reconheceu a ocorrência da jacutingaíta em Itabira, mais precisamente na mina Cauê, que exauriu no início deste século – e que hoje recebe rejeitos e fornece água nova para a usina homônima, que processa itabiritos compactos remanescentes das Minas do Meio e Conceição.
Sem a publicação da revista eletrônica Inovação Tecnológica, Itabira continuaria sem saber que um dia existiu – ainda existe? – em seu subsolo a jacutingaíta. Como continua sem saber se alguma migalha restou desse preciso mineral futurista para que se possa assegurar o seu futuro sustentável depois de exaurida a última tonelada de minério de ferro.
Chove ouro em Itabira
Na falta de informações, Itabira continua sem saber, da mesma forma como ocorreu com o ouro que havia incrustado no minério, se a jacutingaíta foi também exportada para o Japão, para a Alemanha – ou se é ainda exportada para a China juntamente com o pellet-feed aqui produzido.
Apenas argumentar que a sua ocorrência é extremamente rara, não responde às indagações de um município que está diante da iminência da exaustão de sua maior riqueza mineral, o minério de ferro.
No passado, a empresa também dizia que a ocorrência de ouro junto com o minério de ferro era insignificante. Em setembro de 1983, o jornal O Cometa Itabirano publicou entrevista com o então superintendente Mário Pierry, em que ele afirmava ser também insignificante a ocorrência de ouro nas minas de Itabira.
Pouco depois surgiu o garimpo de ouro na grota do Minervino, que chegou a ter cerca de 5 mil garimpeiros por lá bateando a cata do precioso metal.
Na mesma ocasião, a Vale instalou uma usina piloto para separar ouro do minério. Mas mesmo assim, mesmo com todas as evidências, por muito tempo continuou negando a importância desse recurso mineral para o complexo minerador local. Dizia que a usina era para “testar novos processos e equipamentos de beneficiamento de minérios”.
Na mesma entrevista, o ex-superintendente afirmou que a quantidade ouro incrustado no minério era ínfima, como agora afirma a mineradora em relação à jacutingaíta. “As nossas pesquisas apontam a proporção de 50 miligramas de ouro por tonelada de minério”, disse o então superintendente.
No entanto, o garimpo de ouro no Pontal prosseguiu por muitos anos – e só chegou ao fim depois que a Vale parou de despejar rejeitos na grota do Minervino. “Coincidentemente”, nessa mesma ocasião, a mineradora assumiu que estava separando o ouro do minério na usina piloto que teria sido montada para “testar novas tecnologias de processamento de minério”.
Por mais de dez anos, depois da “descoberta” de ouro no “lixo” da Vale, a empresa explorou o precioso metal em Itabira, que chegou a produzir 700 quilos por ano, a segunda maior produção da então estatal no país. Atualmente, a empresa já não mais explora ouro em Itabira.
Derrota incomparável
Sem informações claras e precisas, as dúvidas permanecem a alimentar lendas minerárias e urbanas na cidade, que cisma com a derrota incomparável que virá após a exaustão de suas minas. Já escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade “que de tudo fica um pouco”. O que ficará para Itabira?
“Chove ouro no Pontal. Chuvinha fina, mal dá para molhar, mas consola muita gente. Deus a conserve, e se não implicarem com ela, tanto melhor”, escreveu Carlos Drummond de Andrade, no Jornal do Brasil, em 22 de outubro de 1983, informando em sua coluna semanal os seus leitores sobre a descoberta de ouro no rejeito no Pontal.
“A empresa sabia do ouro e estudara a fundo a possibilidade de explorá-lo economicamente. Concluiu que não era rentável, e deixou-o rolar serra abaixo, depois de montar uma usina destinada a elevar o teor ferrífero do itabirito, última reserva de minério a substituir a hematita exaurida”, descreveu o cronista itabirano.
“E manda-se para Carajás, legando a Itabira o espetacular vazio de sua paisagem e umas migalhas (cerca de 50 miligramas por tonelada de rejeito). Já não é a grande empregadora, e sim a empresa cautelosa que se retira, em busca de paragens mais rendosas.”
Será que os recursos que ainda porventura restam da jacutingaíta não serviriam ao menos para confeccionar umas bijuterias, como pretende incentivar o presidente Bolsonaro com o nióbio (ou com o grafeno) de Araxá? Pelo menos assim ficariam umas migalhas para Itabira, se é que “de tudo fica um pouco”.
Para saber mais
Consulte:
https://www.asturnatura.com/mineral/jacutingaita/4894.html
4 Comentários
Pelo visto, essa jacutingaíta é o “ouro de canjica” moderno ou o “santo de pau oco”, que eram os artifícios utilizados pelos garimpeiros do passado para ludibriar a coroa, contrabandeando o precioso metal sem pagar o “quinto”. Assim como o ouro de Itabira foi contrabandeado para o Japão e para a Alemanha sem pagar impostos e royalties para Itabira junto com o minério de ferro, com essa jacutingaíta pode ter ocorrido o mesmo. E Itabira ficou vendo o maior trem do mundo levando suas riquezas sem deixar nada em troca. Pobre Itabira que um dia já foi rica.
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