João Sabali*
Like a whisper. Like a knife.
Blundetto
Saí do bar pra finalmente tomar um ar e me vi numa calçada cheia de gente de modos que não consegui tomar ar e tive que me esquivar de roda em roda até chegar em um lugar já no meio da rua, com menos gente mas ainda assim com bastante gente.
Estava de noite e eu estava sozinho, apesar de conhecer muita gente ali, de vista. De já ter visto ali naquela mesma rua. Mas eu estava abatido, fisicamente abatido e com um pouco de falta de ar.
Do outro lado da rua algumas pessoas fumavam em frente a um muro com uma pixação que dizia: comemora sem alarde que a zica dorme leve. A zica tem um sono leve, é verdade.
Você não quer acordar a zica e ter que lidar com a zica e seus métodos escrotos que atravessam séculos derrubando tudo, de excursões escolares a impérios, de encontros amorosos fadados ao sucesso a projetos pouco ambiciosos e relativamente simples, como a construção de uma ponte em miniatura que cruza uma poça ou então a construção da certeza de que somos civilizados mas não temos paz, então comemora sem alarde, chapa.
Tudo ao meu redor parecia confirmar aquela pichação e agora um carro amarelo passou devagar em meio a multidão, como se sublinhasse cada letra da frase: a zica dorme leve.
A pessoa da roda do lado fala sobre a imagem de um astronauta crucificado. A outra pessoa da outra roda fala sobre um conto uruguaio chamado ‘A débil paz do banhista’ e a minha falta de ar começa a piorar, meu peito é um quarto seco e escuro e cujo único feixe de luz que passa na fresta da porta entreaberta projeta uma sombra que parece muito a figura de um homem com chapéu.
Outra pessoa de uma terceira roda atrás de mim fala sobre um guerreiro amarelo magnético e agora eu percebo que todas as conversas da multidão são sobre sonhos que as pessoas tiveram na noite anterior.
Enquanto me agacho pra recuperar o fôlego e aliviar a náusea, ouço alguém falar de uma piscina cheia de tubarões. Tubarões lindos e enormes que nadam em círculos em uma piscina de sítio enquanto na beira da piscina a mãe cega coloca as boias nos bracinhos gordos dos filhos, um deles chora com a visão da barbatana.
Com a boca aberta e os olhos arregalados, giro minha cabeça e vejo uma mulher com maquiagem em um olho só gesticulando e falando sobre uma gangorra dourada que sobe e desce em uma das inúmeras crateras lunares. Contar seus sonhos aos outros é uma das coisas mais egoístas que se pode fazer. A história só é mágica pra quem sonhou e ponto final.
*João Sabali é jornalista e escritor de São Paulo (SP).
1 comentário
O começo do conto parece um rap, muito bom!