Lucas Ferraz, especial para O Globo
Grande número de idosos, desrespeito à quarentena e poucos testes realizados foram alguns dos fatores responsáveis pela emergência no país
Em quarentena há treze dias, o país foi o primeiro a impor um confinamento geral à população para tentar frear a pandemia, que se tornou a sua mais grave crise desde a Segunda Guerra Mundial. Tomada para preservar o seu sistema de saúde, a medida extrema, após resistência inicial dos pares europeus, acabou sendo adotada por países como Espanha e França.
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Mas o momento em que ele se alastrou no país europeu, pelo menos desde janeiro, também contribuiu para o panorama: trata-se de um período frio, em que tradicionalmente há mais casos de gripe, confundida inicialmente com a Covid-19.
— A principal razão é o tamanho da nossa população de idosos — afirma o médico Antonio Montegrandi, especializado em doenças infectivas. — Até agora, as vítimas relacionadas à Covid-19 com menos de 50 anos são raras, e todas conviviam com alguma doença séria.
Médico em Roma, ele teve dois pacientes que morreram por complicações relacionadas ao coronavírus: um de 84 anos e outro de 92. A situação é mais crítica na Lombardia, região do Norte, uma das mais ricas do país, onde o número de mortos já superou dois mil. Responsável por um quarto do PIB nacional e com um sistema de saúde considerado um dos melhores da Europa, a região está próxima do colapso, com escassez de médicos e falta de leitos em UTIs.
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Outro aspecto que explica a rápida difusão, e que inevitavelmente contribui com o índice de mortes, é a dificuldade dos italianos em respeitar a quarentena, o que foi muito discutido no país nos últimos dias. Montegrandi diz que o modo de vida “irresponsável” de seus conterrâneos contribui, um povo que, segundo ele, “não tem um senso cívico” e é “um pouco rebelde” com as regras.
O contraste da anarquia italiana, conta ele, fica evidente quando comparado ao esforço feito em lugares como China e Coreia do Sul, nações mais disciplinadas que a italiana:
— Como se trata de um vírus muito contagioso, esse modo de vida se transforma num problema. Muitos jovens estão infectados, não apresentam sintoma, pensam que estão bem e continuam a infectar outras pessoas, tornando-se um perigo para a faixa de risco. Por isso é importante respeitar a quarentena.
Antes de o governo decretar o confinamento nacional, as primeiras medidas de restrição se concentravam nas cidades do Norte, epicentro da difusão na Itália. Quando a recomendação era de permanecer em casa, muitos foram passear em praias e estações de esqui, que ficaram cheias.
Fotos de aglomerações nesses lugares ganharam as redes e foram citadas pelos ministros do governo e pelo governador da Lombardia para justificar as medidas extremas. Entre as pessoas que foram esquiar estava um senhor infectado pelo Covid-19, que deveria obrigatoriamente estar em isolamento.
Outro problema para conter o vírus surgiu quando soube-se que o governo iria decretar uma quarentena em todo o país: houve um deslocamento em massa do Norte — em trens, ônibus e aviões — para as cidades do Centro e do Sul da Itália, regiões onde a epidemia está mais controlada. Infectologistas do Instituto Superior de Saúde, que monitoram a emergência, consideraram a atitude irresponsável.
Quarentena estendida
O decreto da quarentena — intitulado “io resto a casa” (eu fico em casa) — começou a vigorar no dia 9 de março, suspendendo aulas, missas, funerais e competições esportivas, além de fechar comércios e estipular regras de circulação. Dois dias depois, o governo baixou novas regras, determinando o fechamento de bares e restaurantes. Agora estão abertos apenas serviços como supermercados, farmácias e tabacarias, que funcionam em horário restrito e com número limitado de clientes.
Sair às ruas é permitido apenas por motivos de trabalho ou saúde, e o deslocamento precisa ser justificado sob pena de multa e pode render até prisão. Em uma semana, foram denunciadas mais de 43 mil pessoas que descumpriram o decreto, segundo o governo.
A Itália começou a empregar esta semana militares do Exército para aumentar os controles nas ruas, transportar corpos em cidades onde os cemitérios estão superlotados, como em Bergamo, e para montar hospitais de campanha. Segundo especialistas, a pandemia ainda não atingiu o seu pico na Itália, que estendeu o período de quarentena para além do dia 3 de abril, inicialmente previsto.
Publicado originalmente em https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus-saiba-que-deu-errado-na-italia-pais-que-registra-maior-numero-de-mortes-24318017