(Texto publicado originalmente no jornal A Manhã, Rio, em 29 de dezembro de 1926 – Acervo BN/Rio. Pesq. MCS)
Teorias sensacionais de um tipo popular. A transmissão do homem pelo rádio, a língua do futuro e o terceiro sexo
Há na rua Pinheiro Freire, próximo à delegacia do 29⁰ Distrito, uma figura curiosa que o povo do local chama Augusto Nordeste.
É muito alto e muito magro.
Vive entre gaiolas de pássaros de madeira, que ele mesmo faz, a canivete – canários, saíras, tiês e cardeais, tudo colorido fielmente por ele, que não vende as suas criações.
A popularidade de Augusto Nordeste, que foi carteiro e nasceu no estado do Rio, vem da história de um relógio, história que ele contou, na ponte das barcas, e irradiou…
Ele diz que, certa vez, pescando, perdeu o seu relógio no mar.
Passaram-se dez anos.
Certo dia, indo tomar banho na praia do Frade, Augusto viu o relógio brilhando lá no fundo das águas.
Mergulhou e apanhou o cronometro.
Estava trabalhando e marcava hora certa.
Alguém perguntou quem dera corda, durante tantos anos, no relógio.
Ele respondeu:
– A maré. Todos os dias, como se sabe, a maré enche e vasa. O movimento das águas dava corda…
Augusto Nordeste tem teorias próprias a respeito do homem do futuro.
O leitor vai escutar o que ele pensa e diz:
– O homem do futuro não viajará nem em trem, nem em navio, nem em bonde, nem em aeroplano. Tudo isso vai ser recolhido aos museus.
– Como viajará então?
– Pelo rádio. O homem do futuro será transmitido como já se transmite a fotografia. Haverá, nos países, um aparelho de alta potência que fará a desagregação e a condensação das moléculas, de modo que, a pessoa deseja ir, do Rio, por exemplo, à Inglaterra, assistir à abertura da Câmara dos Lordes, vai à estação referida, paga a viagem e é transmitido. Ao chegar à estação receptora de Londres, as moléculas do carioca, as suas malas e a sua bengala, tudo se unifica, e o viajante ai andando…
Houve um espanto entre os que ouviam.
O homem continuou:
– Haverá, também, no futuro, o papel ultrassensível; não haverá mais, no ano 2000, nem pena, nem lápis, nem maquina de escrever, nem linotipo, nem máquina de impressão. O jornalista, o escritor, o poeta, o guarda-livros, o pintor, o caricaturista – todos chegarão diante do papel sensibilizado e o pensamento ficará estampado, em palavras ou gravuras, o que se conseguirá em uma câmara escura, à semelhança das fotografias atuais.
Ninguém aparteia o profeta.
Ele continua:
– Haverá, também, a língua do futuro, falada e escrita. Os homens se entenderão em sons combinados como no solfejo. Aqui, em Paris, no Japão, todos se entenderão, em jornais e livros, com uma grafia semelhante à notas de música que são universais.
Crescia o número de pessoas em torno do Julio Verne de pernas de vara.
Augusto terminou as suas explanações dizendo:
– Já falei muito. Vou terminar aludindo ao terceiro sexo: além do homem e da mulher, o terceiro sexo constituirá um sexo neutro. E os que assim nascerem, como as abelhas produtoras, serão os entes que trabalharão para os outros dois sexos definidos: serão os artistas, os proletários, os políticos…
O leitor ouviu?
2 Comentários
Visionário
uma reportagem de 1926 registra que o mar era tão limpo que se podia reconhecer um objeto; fala das pessoas e o tempo; enfim de usos e costumes. Conclusão: progresso para enricar os estranjas e nenhum desenvolvimento aqui onde está riqueza. Hoje Augusto Nordeste é uma lembrança a nos divertir e a certeza de que viajaremos nas ondas do rádio muito brevemente.