Só quem mora em uma rua que não dispõe do básico em saneamento, com redes pluvial e de esgoto, pavimentação, enfim, com o mínimo do essencial para se viver com dignidade, sabe o que é conviver com esgoto a céu aberto e ruas de chão batido.
A moradora Fátima Soares de Araújo Souza vive essa realidade há mais de quatro décadas. “Sofro juntamente com os meus vizinhos com a fedentina do esgoto que é lançado em uma nascente na divisa com o condomínio”, diz ela.
Com o seu testemunho, a moradora denuncia dois crimes ambientais cometidos pela Prefeitura: o de deixar mais de 150 famílias sem dispor de saneamento básico e por lançar efluentes não tratados em cursos d’água, entre o bairro e o condomínio Morada da Brisa.
Fátima mora no bairro Colina da Praia desde a década 70 do século passado. Ela observa com tristeza que o saneamento contempla apenas algumas ruas – a maioria aguarda pelas obras sempre prometidas – e proteladas pelos sucessivos prefeitos.
O bairro foi loteado e vendido sem o básico do básico em saneamento. Naquele tempo, antes da edição da lei federal 6.766, de 1979, a obrigação de executar as obras de saneamento básico e de urbanização (pavimentação, meio-fio) era da Prefeitura. Entretanto, passados todos esses anos, quase nada se fez. Poucas ruas foram urbanizadas – e muitas permanecem com o esgoto correndo a céu aberto.
“Tem rato por toda parte, aranhas, cobras, pernilongos, muriçocas e muitos lotes sujos. Quando a gente distrai, as crianças pisam no esgoto e acabam pegando doenças”, complementa a moradora, consciente de seus direitos, mas se sentindo sem força para reverter esse triste quadro.
Recursos bloqueados
““Sei que o dinheiro para o saneamento do bairro está na conta da Prefeitura e dá para resolver todo esse problema. Por que ainda não fizeram, onde está o dinheiro?”, cobra a moradora Fátima Souza, com justificada ira.
Ronaldo Lott, secretário de Obras, confirma que existem recursos depositados no caixa da Prefeitura desde 2011 para o saneamento do bairro.
Segundo ele, esses recursos foram repassados pelo Estado em 2011, no governo de João Izael, para executar diversas obras de urbanização na cidade.
Pelas suas contas, o saldo remanescente desse contrato, acrescido de juros e correções, soma mais de R$ 2,5 milhões – o saneamento do bairro Colina da Praia está orçado em R$ 1,8 milhão.
Porém, esses recursos estão bloqueados por alegadas irregularidades na prestação de contas. “O governo estadual nos pede a devolução, mas estamos tentando reverter para enfim aplicar parte desses recursos no saneamento do bairro Colina da Praia”, conta o secretário.
Ele contesta o pedido de devolução por supostas irregularidades.
“Foi feita a prestação de contas, mas ela sumiu na Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas. Pediram uma auditoria em todos os 11 contratos desse convênio. Tivemos que buscar informações de edital e medições desde essa época.”
De acordo com o secretário, como não foram encontradas irregularidades pela auditoria, ele acredita que em breve os recursos serão liberados. Mas ele não soube dizer quanto tempo leva esse “breve”. Os moradores esperam que seja para já. Ou que a Prefeitura busque outros recursos.
Regularidade
“O bairro Colina da Praia é um loteamento regular, aprovado antes da lei federal que obriga o empreendedor a executar as obras de saneamento. É o único bairro em Itabira em que o saneamento é obrigação da Prefeitura. Existem outras pendências de saneamento em ruas de outros bairros, mas esse é o que afeta o maior número de pessoas”, reconhece o secretário de obras.
Enquanto os recursos do Estado não são liberados, Ronaldo Lott promete enfim cumprir parte de uma promessa que fez no início do ano aos moradores.
“Para o saneamento entre as ruas 23 e 30 já foi feita licitação no ano passado e estamos aguardando a liberação dos recursos para iniciar as obras”, conta. Essa região fica ao lado do condomínio Morada da Brisa.
Já para o outro lado do bairro, entre as ruas 12 e 18, a Prefeitura não dispõe nem mesmo do necessário projeto para licitar as obras.
No entanto, Lott acredita ser possível, de imediato, instalar as redes de esgoto sem ter de fazer licitação. Essas ruas ficam entre um campo de futebol e a escola Palmira de Moraes.
“Vamos precisar de cerca de 800 metros de tubos que o Saae deve-nos fornecer. E entramos com a máquina e a mão de obra”, promete, mais uma vez.
Contradição
Ainda cética diante de tantas promessas não cumpridas, a moradora da rua 30, Deniziana Silva diz não mais acreditar na palavra dos homens públicos. “Gostaria que as autoridades passassem por aqui na época de chuva. Quem sabe sujando os pés de barro e sentindo o mau cheiro eles pagam o que nos devem”, cobra.
Itabira se vangloria de dispor de mais da metade de seu esgoto domiciliar urbano tratado. Com a instalação dos interceptores que irão passar sob a linha férrea, esse índice deve chegar próximo a 90%. “Poucas cidades no país têm índices tão altos”, vangloria o presidente do Saae, Leonardo Lopes.
Tudo isso é muito bom. Moradores ribeirinhos dos rios de Peixe, Piracicaba e Doce agradecem. Mas o que Deniziana e Fátima Souza cobram das autoridades municipais, assim com os demais moradores, é que se cumpra o que é obrigação da Prefeitura: que o bairro Colina da Praia tenha enfim saneamento básico.
Audiência Pública é adiada e nova data deve ser agendada
Uma audiência pública era para ter sido realizada na terça-feira (4) pela Câmara Municipal para tratar da falta de saneamento básico no bairro Colina da Praia. O requerimento aprovado para a realização da audiência é de autoria do vereador oposicionista Weverton “Vetão” Leandro Santos Andrade (PSB).
Na mesma terça-feira, fazendo uso da tribuna da Câmara, Vetão anunciou que a audiência não seria mais realizada, pois estaria sendo boicotada pelo governo municipal.
“Cancelei a reunião pois Priscila (Meio Ambiente) e Ronaldo Lott (Obras) disseram que não participariam.”
Foi o suficiente para ser contestado pelo vereador Neidson Freitas (PP), que preside a Câmara e assume também o papel de líder do governo.
“Recebi telefonema de Ronaldo Lott perguntando se haveria a audiência. Quando você desistir da audiência, comunique oficialmente à diretoria, para que possa dar conhecimento público e comunicar aos convidados”, pediu.
“O presidente está desempenhando bem o papel dele que é defender o governo. Vou entrar com mandato de segurança para que o governo preste todas as informações sobre a falta de saneamento básico no bairro, que é direito fundamental dos moradores, assegurado pela Constituição Federal”, rebateu Vetão.
Uma nova data deve ser agendada para a realização da Audiência Pública.
Outro lado
“O convite que recebi do Vetão era para participar de uma audiência com moradores no bairro Colina da Praia. Respondi que não iria, pois não subiria em palanque político. Depois recebi convite para participar de uma audiência na Câmara. Respondi que nessa audiência eu compareceria”, conta o secretário de Obras, Ronaldo Lott.
Já a secretária municipal de Meio Ambiente, Priscila Braga Martins da Costa, disse que não compareceria pelo fato de a solução do problema não ser de competência de sua pasta. “Esse assunto não é pertinente à Secretaria de Meio Ambiente”, justificou.
2 Comentários
Se fosse verdade que Itabira tem mais de 50% de esgoto tratado, já teria sido notícia em rede nacional, pois seria, talvez, a única.
Eu gostaria de entrar dentro do canal debaixo da praça Acrísio pra ver qual é o destino da tubulação instalada na parede do canal da avenida Carlos Drummond de Andrade. Será que essa tubulação segue embutida pela terra? Porque na sequência do canal só tem catinga de água podre.
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