Por Regina Helena Alves da Silva*
Ontem cheguei em casa pensando muito. Eu passei a tarde no Centro de Referencia da Juventude e fiquei por ali para a manifestação.
Desde que eu soube da execução de Marielle um incômodo tem-me angustiado, algo que me diz do tanto que essa morte é diferente das que temos visto.
Durante a manifestação vi muitos de nós, muitos… encontrei um monte de amigos e conhecidos. Mas tinha algo naquela manifestação que aumentou meu incômodo, quase que uma coisa que me dizia que ali tinha bem mais do que estamos acostumados a ver.
Eu vi lá na praça e depois no facebook o de sempre dos tempos atuais: petistas de um lado, psolistas de outro, uns nem PT e nem PSOL andando… e ai começaram a ficar visíveis nossas disputas, nossas diferenças, as rusgas, murrinhas, ataques, oportunismo, apropriações… enfim, o de sempre dos tempos atuais.
Mas tinha ali algo que escapou disso tudo, algo que perpassava a todos nós, que passava por nós, que percorria os espaços entre nós…. durante a manifestação eu não entendi o que era.
Cheguei em casa e essa coisa continuava comigo, li textões e textinhos na internet, cacei umas tretinhas porque vocês sabem que eu adoro meter o dedo nas feridinhas… mas continuei com alguma coisa me incomodando… eu achava que tinha algo que não entendi, que vi mas não captei.
Agora, hoje de manhã, olhei atentamente para uma foto da Marielle… e entendi.
O que tinha ontem de diferente eram as dezenas de Marielles andando entre nós na manifestação, falando e andando nas manifestações por todo o país. Eram as meninas jovens, negras, com uma força em torno delas, com um olhar pra um futuro que elas veem e nós, aqui presos no presente, sequer entendemos qual é.
Estavam ali dezenas delas, olhando pra todos os lados, gritando para acabar com a polícia militar, gritando contra o genocídio dos jovens negros, escrevendo à mão em cartazes sobre o que significa serem mulheres negras, serem mulheres lésbicas, serem faveladas, serem essa parte do mundo do qual ou temos medo ou achamos que temos que tutelar.
Mataram uma delas, mas não mataram o olhar que elas todas têm agora.
Por muito tempo lutamos contra a desigualdade de classes, depois contra a discriminação por nossas diferenças.
Hoje começamos a entender que foi se construindo um inimigo público nesse nosso país. Ha tempos foi se constituindo esse inimigo apontando para os corpos negros, para os corpos que foram sendo empurrados para as periferias e favelas brasileiras.
Nós, as velhas formas de ser esquerda, estamos aqui enredados entre eleições, acusações, se lutamos a luta de classe ou a identitária.
Ontem entendi a potência que tentaram matar em Marielle, ela era, encarnada, a luta de classes e a luta identitária, em um só corpo negro feminino.
Os olhos cheios de lágrimas e os abraços que recebi dessas meninas ontem são a esperança que eu tenho de que, apesar de nós, temos sim, nelas, um lugar de fala e um olhar de luta.
Elas vão passar!!!
*Regina Helena Alves da Silva é cientista política e professora da Fafich/UFMG
Parênteses
Fim, só mais um parênteses meu: Não discordo em nada de Lena. Pelo Contrário. Queria apenas registrar que até mesmo antes das jornadas de junho de 2013 – nesse caso antes de a Fiesp e políticos safados e a velha mídia cooptaram o movimento pra si, na periferia, ainda que de modo não tão organizado como movimento cultural, social e político, já se via grupos, culturais principalmente, discutindo a realidade brasileira. Mais consistentes nas periferias de cidades como em São Paulo, Rio e Belo Horizonte.
Comecei a pesquisar e a seguir blogs e páginas na internet, e fui descobrindo grupos se formando ou já formados. Fiz isso desde o surgimento em Belo Horizonte do movimento Praia da Estação que ocorreu a partir de janeiro de 2010 e durou uns dois anos, na Praça da Estação.
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