Em cumprimento ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público, o empresário José Luiz Jardim Mariano está reformando o casarão da rua Tiradentes, de sua propriedade, onde, segundo o memorialista Marconi Ferreira, residiu o célebre inventor itabirano Chico Zuzuna.
O imóvel fica ao lado do casarão onde morou outro itabirano famoso, Antônio Alves de Araújo, o Tutu Caramujo, vendedor de livros e ex-presidente da Câmara Municipal, e por consequência, prefeito de Itabira (1869/72), como ocorria em sua época. Caramujo foi imortalizado no poema Itabira, de Carlos Drummond de Andrade.
“Ali, naquelas imediações, eles foram contemporâneos e vizinhos. Em frente, morava o padre Olímpio, eram todos primos. Chico Zuzuna inventava as suas maluquices, que tinham sentido prático, enquanto Tutu Caramujo observava a cidade na porta de sua venda e padre Olímpio benzia os católicos que o procuravam”, resgata o memorialista itabirano.
Marconi também está reformando a sua casa, que pertenceu ao seu tataravô Tutu Caramujo. Por motivos que ele não sabe explicar, o seu imóvel não foi tombado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico de Itabira (Comphai), mas faz parte do gabarito do entorno do centro histórico.
“Estou reformando o telhado, substituindo todo o madeirame por estrutura metálica, sem nada descaracterizar. A pintura das grades da sacada tem assinatura do saudoso Marzagão”, conta com orgulho, referindo-se ao artista plástico e restaurador João Batista Letro de Castro, falecido em maio do ano passado.
Com as reformas em curso, a expectativa é de que os proprietários do antigo Armazém Sampaio, na mesma rua Tiradentes, deem início, ainda neste ano, à reforma do imóvel, também tombado pelo Comphai. Para isso, já foi assinado um TAC com o Ministério Público para que seja assegurada a integridade da estrutura do imóvel. Está pendente, ainda, de acertos para que seja restaurada a fachada e a parte posterior do casarão, que já ruiu.
Os herdeiros desse imóvel já apresentaram planilhas de custo e o inscreveram na lista dos que esperam recursos municipais para a reforma. No entanto, pelo fato de seus proprietários disporem de recursos financeiros, não figura entre as prioridades definidas pelo Comphai e Ministério Público.
Pelo mesmo motivo, ainda não foi incluída no rol de prioridades a reforma do casarão na rua Tiradentes, 55, próximo do Atlético, que pertence aos herdeiros do escritor João Camilo de Oliveira Torres.
Esse casarão, embora esteja com a fachada deteriorada, não apresenta problemas estruturais, segundo vistoria realizada pela Prefeitura no imóvel.
“Está na lista, mas ainda não foi definida a participação da Prefeitura na sua reforma”, diz o diretor de Patrimônio Histórico e Cultural, e presidente do Comphai, Duval Augusto Coelho Gomes.
Reformas dos imóveis considerados prioritários devem começar já
A Prefeitura já iniciou a reforma da casa demolida na antiga rua do Bongue, hoje Monsenhor Júlio Engrácia, 39, que pertenceu a Miguel Alves de Araújo, filho de Tutu Caramujo. Por descuido geral, a pequena e histórica casa tombou literalmente ao chão.
Em decorrência, em 11 de março de 2010, o Ministério Público instaurou um procedimento investigativo – e sugeriu um TAC para que a Prefeitura reconstruísse o patrimônio histórico, com base na lei 3.797, de 5 de dezembro de 2003, que instituiu o Programa de Revitalização do Patrimônio Cultural do Município.
O programa consiste em fornecer auxílios técnicos e financeiros aos proprietários dos imóveis tombados para que conservem esses patrimônios, excluídos desse benefício os bens tombados por gabarito, como é o caso do casarão que pertenceu a Tutu Caramujo, hoje do escritor Marconi Ferreira.
A mesma lei estipula também que o auxílio financeiro da Prefeitura depende de recursos disponíveis no erário municipal para esse fim. Pois foi justamente alegando indisponibilidade de recursos que o ex-prefeito Damon Lázaro de Sena (2013-16) decidiu que a prefeitura não reconstruiria a casa da rua do Bongue, deixando de cumprir o TAC anteriormente firmado entre o Ministério Público e o Comphai.
Já agora, com cerca de R$ 380 mil disponíveis no Fundo Municipal do Patrimônio Cultural (Fumpar), em valores atuais, podendo chegar a mais de R$ 600 mil até o fim do ano, a atual administração decidiu pelo cumprimento do TAC. No dia 2 deste teve início a reconstrução da fachada e fechamento das laterais em alvenaria, além do telhado da casa da rua do Bongue. O custo da reconstrução, já licitada, é de R$ 72,3 mil. O prazo de conclusão é de 60 dias.
Outras restaurações
Além dessa reconstrução, o Comphai já definiu outras prioridades, de acordo com a lista de inscrição, mas também levando em o estado geral dos imóveis – e as condições financeiras dos proprietários. Embora esse critério não esteja na legislação municipal, foi incluído nas negociações da Prefeitura com o Ministério Público.
E é um dos itens que a promotora Giuliana Fonoff Talamoni sugere que seja incluído na reforma da lei municipal 3.797/03, para que seja sempre priorizada a reforma de bens tombados de proprietários que comprovadamente não tenham como arcar com os custos.
É essa lei que regulamenta a contribuição financeira da Prefeitura, sem tornar obrigatória a alocação de recursos do erário na reforma desses bens arquitetônicos e históricos. Já a obrigação de preservar a integridade do imóvel tombado, como de qualquer outro, de acordo com o código civil, é do proprietário e de seus herdeiros.
Trata-se de uma obrigação que já tem jurisprudência: “O proprietário é obrigado a conservar e reparar o bem tombado. Somente quando ele não dispuser de recursos para isso é que o encargo passa a ser do poder público”. (STJ, Resp. nº 97.852PR, in DJU de 8.6.98).
“Conforme ficou definido com a promotora de Justiça, vamos priorizar a reforma dos imóveis públicos tombados e aqueles que pertencem a proprietários hipossuficientes (que têm poucos recursos) ”, confirma o presidente do Conphai, Duval Gomes.
Por esses critérios, outras cinco reformas estão na lista de prioridades. Inclui a reforma da Casa de Drummond, já licitada, a um custo de R$ 74,2 mil.
Outra reforma que deve ter início por esses dias é do casarão da rua Tiradentes, 383, a um custo avaliado de R$ 22,3 mil. A substituição da rede elétrica é o principal item da reforma – o casarão está em boas condições de conservação, mas apresenta risco de curto-circuito.
Também será iniciada a reforma da casa situada na rua Santana, 191. “É prioridade pelo alto risco de cair e perder o patrimônio”, justifica o presidente do Comphai. O investimento avaliado em planilha é de cerca de R$ 125,6 mil.
O casarão da praça Joaquim Pedro Rosa, 14, enfim, será reformado. Embora só tenha entrado na fila em 2015, o seu proprietário foi o único que comprovou não ter condições financeiras para fazer a reforma. O custo está orçado em R$ 124,5 mil.
Pendências
Só com essas reformas já definidas a Prefeitura deve desembolsar cerca de R$ 420 mil. Como até o fim do ano espera arrecadar acima de R$ 600 mil de ICMS destinado ao Fumpar, a expectativa é dispor de saldo acima de R$ 200 mil até o fim do ano para investir na preservação do patrimônio histórico.
A Casa do Brás, por ser patrimônio municipal, tem prioridade. “É uma reforma pequena”, assegura Duval. Os outros bens tombados que continuam na lista são os casarões da rua Tiradentes, 55, que pertenceu ao historiador Luiz Camillo, e o ainda em eterna reforma, casarão do antigo Hospital Nossa Senhora das Dores.
Segundo o presidente do Comphai, são os conselheiros, com base nos critérios definidos pelo TAC firmado com o Ministério Público, que irão definir onde e como investir os recursos remanescentes. Que definam logo, em conjunto com os proprietários, antes que seja tarde.
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