Produzido por estudantes do campus local da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), o documentário Lira Itabirana: a VALE e a cidade de Itabira é fruto de um trabalho da disciplina Aspectos Psicossociais do Trabalho, ministrada pelo professor Raoni Rocha.
Inspirado no poema de Carlos Drummond de Andrade, originalmente publicado no jornal O Cometa, na edição nº 58, em dezembro de 1983, o documentário procura mostrar elementos importantes da relação da mineradora com a cidade, bem como questões organizacionais que podem influenciar no risco produzido pela empresa.
As imagens em preto e branco mostram peixes mortos pelo rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, o resgate de feridos e de corpos pelo Corpo de Bombeiros logo após a tragédia ambiental e do maior acidente coletivo de trabalho na mineração em todo mundo, com 269 mortos e desaparecidos.
Mostra ainda outras perdas históricas incomparáveis que Itabira sofreu, após o advento da mineração em larga escala, com a criação da então estatal Companhia Vale do Rio Doce, em 1942: as calçadas de hematita que praticamente não existem mais, o fim previsto do minério em 2028, a alta dependência da cidade à mineração sem que se tenha preparado para a exaustão inexorável.
Com os rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho, o medo de que uma das 15 estruturas da mineração em Itabira possa se romper tomou conta de muitos moradores. O documentário cita o plano de emergência para a zona de autossalvamento, que mais assusta do que oferece segurança.
A desvalorização de imóveis na cidade, o susto maior que afetou o psicológico de muitos moradores quando as sirenes, recém-instaladas, soaram inadvertidamente, por “erro técnico”, o seu som estridente em muitos bairros de Itabira, no dia 27 de março. E cita também o medo que muitos têm de criticar a Vale e perder o emprego, ou prejudicar algum parente ou amigo que trabalha na empresa.
Causas possíveis
Os estudantes procuram entender a causa do rompimento dessas barragens, sem especular ou tirar conclusões precipitadas. O estudante Antônio Reis cita o caso clássico da Challenger, ônibus espacial da Nasa que explodiu no dia 28 de janeiro de 1986, para fazer analogia com o rompimento de barragens em Minas Gerais.
Segundo ele, no caso do ônibus espacial houve aviso de que o anel de vedação do tanque de combustível iria se romper abaixo de 12 graus – e foi o que ocorreu. Um incêndio provocou a explosão do ônibus espacial 73 segundos após o seu lançamento, matando os seus sete tripulantes.
“Os engenheiros alertaram e não foram ouvidos”, afirmou o estudante, referindo-se à explosão. É o que pode ter ocorrido também em Mariana e Brumadinho.
Práxis
“O saber formal dos engenheiros precisa se unir com o saber dos trabalhadores que vivenciam os problemas. São dois mundos distintos que precisam interagir”, recomendou o pesquisador e professor Eugênio Diniz, da Fundacentro, em depoimento para o documentário dos estudantes da Unifei. “E isso não vem acontecendo.”
Para o professor é preciso entender que só as normas e os parâmetros de segurança medidos pelos aparelhos, assim como a avaliação de especialistas em barragens não são suficientes para se fazer uma boa gestão dessas estruturas.
“É preciso levar em consideração o conhecimento dos trabalhadores e suas vivências para se tomar uma decisão”, recomenda o professor.
Medo
O documentário Lira Itabirana entrevistou um ex-empregado da Vale, que expõe o seu ponto de vista – e expressa bem o medo que tomou conta de muitos moradores de Itabira, mesmo que a empresa assegure que as suas barragens são seguras.
O que fica do documentário, além das imagens e da força do poema de Drummond, é a pergunta-chave: como fazer uma gestão de segurança eficaz em empresas de alto risco?
Saiba mais
De acordo com o professor Raoni Rocha, o documentário faz parte de um projeto maior, que é a produção de conteúdo digital acadêmico em saúde e segurança do trabalho, por meio de um blog e canal chamado Ergonomia da Atividade, que é por ele coordenado.
“Este projeto tem atualmente um impacto importante na sociedade, sendo utilizado em diversas universidades brasileiras e mostrado no portal Minas faz Ciência, da Fapemig”, conta o professor. O material tem sido, inclusive, solicitado pela Fundação Roberto Marinho para divulgar em seus cursos e formações.
Serviço
Para assistir o documentário acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=N7aQmVc-WHs
2 Comentários
É revoltante saber que a VALE explorou Itabira uma vida inteira, e seus Governantes nada fizeram para tirar proveito para a Cidade, sempre visando os próprios umbigos e quando ela se for, eles simplesmente irão viver em outro lugar… Bem longe daqui, sugar o sangue de outras pessoas, sem ter que prestar conta de nada.
sobre o poema Lira Itabirana, a grande imprensa chegou a duvidar da publicação no Cometa, mas afinal… o que é vero, vero é.