revisão – 9ª parte
Mauro Andrade Moura
A Chorographia Mineira, da parte de Itabira, foi-nos legada pelo Monsenhor Júlio Engrácia nos idos de 1897 como correspondente do “Archivo Mineiro”.
Sequência
Fauna e flora do Matto Dentro
“Com as matas virgens foram-se a flora e fauna, que eram as mesmas que ainda hoje se ostentam nas margens incultas dos Rios Piracicaba e Doce.”
“A fauna está reduzida a esses pequenos animais comuns, veados catingas, caetatus, pacas, macacos, uma ou outra suçuarana, e nesses mesmos escassos. A ornitologia é paupérrima; raros jacus, inhambus de capoeira que chamam chororó; de trepadores, só há os maracanãs; no mais são canários comuns, pintassilgos, sanhaços, sabiás-uma e pardo. Em etiologia é paupérrimo; há os lambaris, mandis e pouca traíra. Em ofídios há a cascavel, a urutu, jararacuçu, jararaca comum e jararaca víbora, que chamam do campo; boipeba e essas comuns inócuas, como a sipó, a coral etc. Sapos de toda a ordem, exceto a itanha ou sapo boi, que só se encontra em serras de mata. A flora está também reduzida às espécies comuns de serras e campos devastados pelo ferro e pelo fogo. Nas beiras de serras encontram-se fetos, velozianas, mimosas malpighiáceas, chinchonea, melastomáceas, poucas espécies de lírios, magnólias agrestes, lianas de diversas espécies, passifloras, poucos gramíneos, sassafrás; cedros, vinháticos, ipês, uaranas, escassas; algumas leguminosas, mirtáceas, agrestes e cultivadas; a pindaíba, cujo fruto equiparam à noz moscada, musáceas, alguns cactos e baunilha miúda.”
A prática da caça entre os itabiranos era comum no início do século XX, um hábito corriqueiro a ponto de alguns, unicamente ou em grupos, possuírem fazendas de caça na região.
Entre elas, destacam-se a fazenda do Domingos da Costa Lage nas beiras do Turvo, em Ipoema, e a dos Andrade, onde hoje é o Parque do Rio Doce, em Marliéria.
A fauna que estava reduzida pelo excesso da prática da caça, chega-se a este ponto do mínimo, não se deixando florescer e procriar naturalmente.
Os anfíbios itabiranos atualmente encontram-se limitados a poucos lugares, considerando sempre o mau ou exclusivo uso de nossas nascentes d´água, exploradas ao máximo e espoliadas em favor da retirada da areia do minério de ferro.
Com o fogo, herança indígena, fazia-se as coivaras em pequenas áreas. Hoje, ateia-o pelo simples prazer de ver as labaredas ou a eterna preguiça do cuidar do pasto com a capina que deveria ser rotineira. O fogo trabalha mais rápido e quase dinheiro nenhum custa em acendê-lo.
Para agravar ainda mais esse quadro, tem-se o plantio quase exclusivo da braquiária, praga sul-africana, a fim de manter o pasto ao gado bovino, em detrimento dos capins meloso, gordura e outras gramíneas nativas menos impactantes no terreno.
Outro fato preponderante nesta paragem de Itabira foi o advento do plantio da monocultura dos exóticos pinus e eucalipto, este reconhecidamente uma praga australiana que graceja praticamente em todo o país, só não tendo ainda florescido na região Norte.
Na plantação do pinus no caminho de Itabira ao distrito de Senhora do Carmo foi utilizado um método que devia e deve ser considerado uma aberração contra a natureza.
Simplesmente a subsidiária da CVRD na época, a tal Florestas Rio Doce, deitou toda a mata nativa das fazendas que adquiriu nessa região e sapecou fogo, sem nenhum pudor ou constrangimento pelo ato ignóbil praticado. Um crime ambiental que permanece impune.
Uma lástima!
Quem denunciou essa atrocidade contra nossa já quase perdida natureza foi procurado pelas ruas de Itabira, como se fugitivo fosse, pela polícia florestal estadual. Era ditadura militar, nos idos de 1972 com o AI5 e seus estertores inquisitoriais.
Questionado foi e preponderantemente do porquê denunciava a CVRD e sua subsidiária na implantação de matas de madeiras que serviriam à indústria madeireira ou moveleira.
Indústria essa que nunca floresceu e praticamente não deu frutos em nossa cidade.
Nesta denúncia, o denunciante questionou do porque não utilizar toda aquela madeira para fazer carvão ou mesmo servir de lenha nos lares itabiranos, haja visto que o gás ainda não era exclusivo nas cozinhas e a mesma também servia para aquecer a água dos chuveiros.
Questionou ainda como se praticara tal ato, podia ver a devastação provocada, os animais e pássaros fugidios e os mortos pelo fogo ou pela fumaça. Eram tatus, preguiças, macacos e tantos outros literalmente queimados.
A denúncia ficou esquecida ou perdida intencionalmente pelos escaninhos da burocracia estatal, nenhum diretor das empresas estatais foi questionado pela justiça e muito menos condenados pela tragédia contra a natureza.
Podemos ainda imaginar o volume de terra que escorreu com as chuvas que eram mais pesadas e constantes naquela época, assoreando as calhas dos córregos e rios e daqui sempre segue para a calha do antigo rio Doce, aquele mesmo que segue morto pelo abuso da grande mineradora Vale, antiga CVRD.
Há um tempo essa grande e portentosa mineradora adotou o modus operandi de simplesmente adquirir fazendas com densas matas com remanescente flora da Mata Atlântica, considerando ser a região de Itabira área de transição para também o bioma Cerrado.
Poderia muito bem ter disponibilizado parte desta verba para incentivar e mesmo financiar os vizinhos fazendeiros para que reflorestassem as áreas de pastagens, nos altos dos morros, com espécies arbóreas nativas, restabelecendo o bioma natural em suas terras, ao invés de simplesmente comprar matas fechadas já constituídas e preservadas.
Uma ou outra dessas fazendas adquiridas pela mineradora, por força da obrigação em acordos de cunho ecológico, foram transformadas em parques naturais e doadas ao poder público, sendo isto considerado uma forma de minimizar o forte e incalculável impacto ambiental que provocou em Itabira a partir de sua criação em 1942.
Quanto ao denunciante, pois bem, que era visto como subversivo e contrário ao “progresso”, que era difamado como “o doido”, forma de achincalhe que encontraram para desdizê-lo – e mesmo desviar a atenção ao que vinha pregando em nossa cidade, vaticinou: “um dia essa mineradora vai dar uma banana para todos nós!”
O denunciante era Aníbal dos Santos Moura, in memorian.
PS.: Só em 1985, o clamor de Aníbal Moura foi parcialmente ouvido. Foi quando o então promotor José Adilson Marques Bevilácqua, com base em reportagem do jornal O Cometa Itabirano, que neste mês completou 40 anos, enfim abriu um inquérito civil público, com base na lei federal 7.347/85, contra a Florestas Rio Doce, por ter desmatado 30 hectares de mata nativa, na região dos Gatos, para em seu lugar plantar pinus e eucalipto.
Era quase nada diante de tanta devastação antes praticada no município por essa mesma empresa subsidiária da CVRD. Com acordo firmado com o Ministério Público, a empresa teve que retirar o que plantou e revegetar toda a área com as mesmas espécies nativas antes existentes no local. Daí em diante essa prática, que tantos danos causou ao meio ambiente do município, foi abandonada.
Porém, a poderosa Vale continua devendo o cumprimento da condicionante da LOC (Licença de Operação Corretiva) que a obriga fazer a conversão de toda a sua floresta homogênea para que volte a ser mata nativa.
Não cumpre o que está na condicionante da LOC e ainda vende eucalipto para fazer carvão na região do Pontal, inclusive com a carvoaria ameaçando com a excessiva fumaça os motoristas que passam pelo anel rodoviário de Itabira, na proximidade da rampa de voo livre,
É uma vergonha para uma empresa tão poderosa, que se diz preocupada com o meio ambiente. Só se for para os chineses verem. É mais um débito que a poderosa e onipotente empresa Vale tem com Itabira, com a dívida histórica impagável e sempre postergada.
segue…
4 Comentários
Gosto muito de olhar pra Cuba – país com pouquíssima riqueza no subsolo, pouca mata, já o Brasil tudo muito. Mas o Povo de Cuba é grande, tem auto-estima e respeito por aquilo que lhes pertence. Já aqui…
A reserva de caça de Domingos da Costa Lage, que gostava de música, em sua fazenda, a do Recinto, tinha música todos os fins de semana, era na Serra das Bandeirinhas. A mamãe que não conhecia o lugar, sabia indicar à um morador daquelas bandas onde recolher raízes e ervas para curar nossas doenças. É que o pai dela conhecia o lugar e assim a história oral contribui para manter a prática de tirar da natureza o necessário.
Espero, Cristina, que essas raízes e ervas do tempo do seu “Domingos” tenham sido preservadas para os de hoje.
A devastação aqui no entorno de Itabira é total e nada ou pouco mais que nada restou dos tempos idos dos nossos avós.
Oi Mauro boa noite, na verdade o homem é o grande agente destruidor na maioria das vezes; em se tratando da vegetação, aqui em Goiás também, desmata se muito pra fazer pastagens, outrora pra fazer lavouras, e com isso fauna e flora vão pras cucuias, e essas plantações de eucaliptos realmente são uma praga mesmo, consomem muitíssima água e ressecam o solo,menos mal que não se tem no estado mineradoras de grande porte, que causam tantos estragos como é o caso da Vale, mas de toda forma sempre há impacto ao meio ambiente .
Abraços,
Weslei
Bom dia, Weslei.
Muito desse malfeito é desnecessário, a ignorância geral provoca e ao mesmo tempo aceita isto.